Não se fala de outra coisa: há milhares de portugueses a deixar o país, como, nos anos 60, cantava Manuel Freire: “Ei-los que partem novos e velhos, buscando a sorte noutras paragens, noutras aragens entre outros povos, ei-los que partem velhos e novos.” E o conhecido trovador continuava: “Partem de olhos molhados, coração triste e a saca às costas, esperança em riste sonhos dourados...”
E tudo porque não têm trabalho - “a chave essencial de toda a questão social(...) sob o ponto de vista do bem do homem”. (LE nº3)
Em 14 de Setembro de 1981, o papa João Paulo II assinalando o nonagésimo aniversário da encíclica Rerum Novarum, publicou uma encíclica sobre o Trabalho Humano – Laborem Exercens (LE), onde afirmava que “a Igreja está convencida de que o trabalho humano constitui uma dimensão fundamental da existência do homem sobre a terra”( LE 4).
Este é também o entendimento dos homens e mulheres que desesperam quando se vêem confrontadas com um prolongado desemprego que afecta suas vidas e de suas famílias. É quase como uma humilhação, alguém, perante a sociedade, ver-se privado de uma actividade justamente remunerada.
A situação em que nos encontramos deriva, em última análise, da distorção dos valores da pessoa e do trabalho.
O trabalho, segundo a teoria neoliberal é considerado como uma espécie de mercadoria e o trabalhador como um activo da empresa, um factor de produção ao serviço do capital, “quando, independentemente do trabalho que realiza, deveria ser tratado como seu sujeito eficiente, como seu verdadeiro artífice e criador (...) como verdadeira finalidade de todo o processo de produção.”(LE 7)
“O trabalho é um bem do homem, da sua própria humanidade, porque não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas realiza-se também a si mesmo e se torna mais homem”(LE 9).
A chaga do desemprego, desvalorizada e tida como inevitável pelos responsáveis políticos do país, no acordo firmado para o financiamento do estado, é reveladora das doutrinas económicas que nos regem. Insensíveis ao valor do trabalho humano, ao justo salário e à segurança do trabalhador e da sua família, acederam em alterar os códigos laborais, em reduzir os salários, em promover os despedimentos, em aumentar a carga fiscal e reduzir os benefícios de protecção social que, presentemente, atingem centenas de milhar de portugueses. Resultado: a vida familiar, que é um “direito fundamental e vocação do homem”, o processo de educação e manutenção da família e o direito à habitação foram afectados porque o “trabalho humano é considerado exclusivamente segundo a sua finalidade económica”(LE 13).
A instabilidade governativa, aos olhos do cidadão comum, desempregado, ou atingido pelos baixos salários e dificuldades financeiras, atenta contra a tradicional segurança das instituições e do Estado. Ambas saem fragilizadas e desprestigiadas. Se ao menos instituições internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tivessem um papel mais actuante “contra o desemprego, que é sempre um mal e, quando chega a atingir determinadas dimensões pode tornar-se verdadeira calamidade social” (LE 18)...
O poder político teme o agravamento do desemprego devido à provável desordem social, mas nada faz para o suster: baixa as subvenções sociais, as reformas, aumenta os impostos, diminui a intervenção do Estado na educação e na saúde, obrigações que derivam das suas funções de promover e preservar o direito à vida, ao trabalho e à subsistência.
O discurso mais recente sobre a manutenção do Estado Social face às contruibuições, é um retrocesso civilizacional que os cidadãos deste país não podem admitir.
Muito menos instituições como a Igreja Católica que tem como “tarefa importante incluída no serviço que presta à completa mensagem evangélica” e “o dever de pronunciar-se a respeito do trabalho do ponto de vista do seu valor humano e da ordem moral em que ele está abrangido”.(LE 24)
João Paulo II que vimos citando defende “que a atenção aos problemas sociais faz parte, desde o início, do ensino da igreja, da sua concepção do homem e da vida social”(LE 3) e garante que “Esta acha-se vivamente comprometida nesta causa porque a considera como sua missão, seu serviço, e prova da sua fidelidade a Cristo, para assim ser verdadeiramente a “Igreja dos Pobres” (LE 8).
Este é o meu contributo à divulgação da doutrina social da Igreja sobre o trabalho, e deixo um apelo para que a hierarquia, à luz destes ensinamentos, analise os acontecimentos e proponha novas respostas e um novo paradigma que dignifiquem “o homem todo e todos os homens”.
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